sexta-feira, 14 de novembro de 2008

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Eu Sou Um Lápis

Um escritor de livros infantis é desafiado a orientar uma oficina de escrita para crianças do terceiro ano, em Queens, Nova Iorque. E aceita. Depois de conhecer aqueles 28 alunos de 21 nacionalidades e de 11 línguas, nunca mais os larga. “Adopta” a turma durante três anos e ensina-a a ler e a escrever o mundo. Porque acredita que as palavras salvam.“Cheguei cedo, a tempo de ver os adultos levarem os seus pequenitos à escola. Que visão! De mão dada, vinham de todas as direcções: rapazes e raparigas com os pais cubanos de bonés de basebol, ‘sikhs’ de barba e turbante, latinas de saltos altos e unhas pintadas, mulheres indonésias cobertas com véus, avós chinesas de casacos à Mao e ténis, hindus com pintas vermelhas na testa. Havia um ambiente épico, todos aqueles imigrantes, aqueles pais esperançados que tinham conseguido chegar a Queens e depois procurado a escola, o objectivo da sua viagem, para que os filhos tivessem uma vida melhor” (pág. 47). Nesta passagem fica descrito com clareza o ambiente onde o escritor iria entrar, apaixonar-se e não querer sair.Eu Sou Um Lápis é um livro que educadores e professores vão gostar de ler. Valoriza a profissão docente e faz acreditar no papel essencial que têm na formação das crianças com quem contactam. A obra lembra como os primeiros anos de escolaridade são cruciais na definição do valor que se atribui ao conhecimento, numa altura da vida das crianças em que (quase) tudo é ainda possível.

Mr. Swope não é um professor qualquer, mas a directora da escola, que o convidou, também não. Veja-se: por respeito à diversidade de religiões e doutrinas dos alunos, a escola não festejava o Natal com árvores e o Pai Natal. “No dia anterior às férias tivemos uma pequena festa. As crianças escreveram poemas às famílias e fizeram cartões. Mrs. Duncan deu um livro a cada um e eu dei a todos três palavras diferentes, palavras que escrevera para eles, palavras grandes e bonitas que eles não conheciam, palavras que escrevi com letra desenhada, em cartõezinhos atados com uma fita” (pág. 80).Gary, Najiyah, Nazuk, Su Jung, Miguel, Aaron, Noelia, Meikai, Maya, Fatma, Jessica são alguns dos nomes dos alunos que participam nas actividades criativas e inesperadas do professor. O projecto da caixa, que consistia na construção de uma caixa em que se iria pôr um livro com a história da caixa que o continha; o projecto da ilha, em que os alunos desenhavam uma ilha com a forma do seu corpo e criavam uma história que ali acontecesse e, finalmente, o projecto da árvore, em que cada aluno escolheria uma árvore adoptiva e a quem escreveria todo o ano.Algumas frases dos alunos sobre as árvores: “Uma árvore é como um miúdo a brincar com o vento”; “Uma árvore é corajosa, não foge”; “Uma árvore é sítio para se estar dentro, quando estamos tristes.”

A obra de Sam Swope foi nomeada para o melhor livro de 2004 pela revista Publishers Weekly e foi vencedor do Books for a Better Life Award (2004) e do Cristopher Award para 2005.Numa das lições, o professor pediu que cada aluno escrevesse um poema sobre si próprio, de que se regista o início de alguns: “Eu sou um quadro / Oh, sou arranhado pelo giz e apenas... / apenas usado, controlado, nunca apreciado” (Matthew); “Não sou uma, mas muitas/ Histórias de um livro, / Com alguma coisa para dizer sempre” (Najiyah); “Sou um ramo partido/ No Chão/ Sou pisado” (Nazuk). Por último, a tímida e insegura Jessica liberta-se: “Eu sou um lápis / Pronto para escrever / A minha vida.”Eu Sou Um Lápis; Autor: Sam Swope; Tradutor: Lucília Filipe; Editor: Sinais de Fogo; 392 págs., 22 eurosSe as palavras salvam, alguns professores também.

Publicada por Rita Pimenta em http://letrapequenaonline.blogspot.com/

Quando Letra pequena era offline e se publicava no Mil Folhas (suplemento do Público que saía ao fim-de-semana), ocupava uma página no primeiro sábado de cada mês. O texto que hoje se recupera foi aí divulgado em Agosto de 2006. Letra pequena online repete-o agora para recordar a importância que alguns professores têm nas nossas vidas. Um aspecto que anda esquecido, embora muito se fale de escolas.
O Mil Folhas era editado por Isabel Coutinho (
ciberescritas), a principal responsável por estarmos aqui agora: o leitor e a Letra pequena.
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